A crise deve resultar numa fase de maior regulação
Alan E. Cober
O futuro é como tela virgem diante do pintor. Sabe-se que, do branco brotará uma pintura. Entre um traço e outro, pode-se arriscar um palpite: vai ficar feia. Ou bonita.
Mas nem ao artista é dado adivinhar os contornos finais da própria obra. Não antes dos últimos movimentos do pincel.
Assim também com a economia. Autoridades norte-americanas estão debruçadas, neste final de semana, sobre o rascunho da tela que será exposta nos próximos dias.
Por ora, há sobre o cavalete apenas um borrão. Analistas rufam nas páginas dos jornais previsões para gostos variados. Impossível, porém, desconsiderar a fluidez da cena.
De concreto, tem-se o seguinte: 1) Ainda não foi descoberta uma vacina para a maldição dos ciclos econômicos; 2) Vem aí uma fase marcada pelo aperto na regulação.
A atmosfera carregada da semana passada pairou sobre o sonho do capitalismo moderno como nuvem carregada em cima de casa destelhada.
Nuvens, como se sabe, são como os próprios ciclos econômicos. Vão e vêm. A estiagem que embalava a prosperidade dos EUA experimentou, há um ano, uma virada.
Deu-se uma tempestade de trovões anunciados. No início de 2000, Alan Greenspan já começara a prever, com antecedência de oito anos, que desceriam os raios.
Greenspan acumulava na época duas funções. Uma formal: presidente do Federal Reserve. Outra informal: oráculo da economia globalizada.
Do alto da autoridade dupla, Greenspan vaticinara: "É essencial que o atual período de relativa estabilidade internacional seja aproveitado da melhor forma possível para reduzir os riscos potenciais mais evidentes para uma crise".
"Não podemos prever com precisão a natureza da próxima crise financeira internacional. Mas que haverá uma é tão certo quanto a persistente imprudência financeira humana".
A crise chegou. E veio embalada pela “imprudência financeira” de um sistema cujos vícios Alan Greenspan viu avolumarem-se.
Respira-se agora, dependendo do ponto de vista, uma atmosfera de fim de ciclo ou de início de nova era. Na curva entre os dois conceitos, uma constatação unânime:
Junto com as instituições financeiras que micaram nos EUA foi à breca o postulado segundo o qual o sistema capitalista moderno, por auto-regulável, empurraria o mundo pós-Guerra Fria à prosperidade eterna.
Ruiu também o lero-lero de que ao Estado caberia apenas agir para atenuar os efeitos nocivos do sistema: pobreza, fome, desemprego... Exclusão social, enfim. Os pecados do mercado, o próprio mercado, livre de amarras, cuidaria de purgar.
Os fatos desmentiram, uma vez mais, as boas intenções. Noves fora o custo exportado para o resto do planeta, as perversões escondidas atrás da nova crise vão morrer no bolso do contribuinte norte-americano.
A analogia com o passado é inevitável. O colapso de 1929 interrompera um boom econômico que começara 33 anos antes, em 1896.
A mega-crise de 1974 repetira, 45 anos depois, a tremedeira de 1929. Agora, separado de 1974 por 34 anos, 2008 desce aos livros com cara de terremoto.
O diabo é que agora já não há nem mesmo o contraponto da visão marxista de uma sociedade voltada para o bem-estar, em detrimento do lucro. Faliram também as utopias.
Em meio à falência também das utopias, o capitalismo tampouco foi capaz de prover uma resposta a Marx. Espera-se, então, que o Estado providencie ao menos um feixe de mecanismos mais rigorosos de controle.
Algo que permita enxergar a tempestade antes que ela troveje sobre as arcas públicas. Ou, por outra, um sistema que pelo menos estique o intervalo entre um e outro ciclo de maturação da “imprudência financeira humana".
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